39 kg de cocaína constrangem o Governo Bolsonaro
Prisão de sargento flagrado com droga
na Espanha vira notícia internacional e meme e pressiona Aeronáutica e Planalto
por falha em segurança de comitiva presidencial
Bolsonaro,
antes de embarcar rumo ao Japão. HANDOUT REUTERS
Jair Bolsonaro, eleito prometendo combater o crime e as
drogas como nunca antes no país, tenta responder uma pergunta incômoda desde a
noite de terça-feira: como um militar de sua comitiva ousou e conseguiu levar 39 kg de
cocaína em um avião oficial, destacado como apoio à sua viagem ao
G-20 no Japão? A prisão do sargento Manoel Silva Rodrigues, 38 anos, em
Sevilha, na Espanha, com o carregamento da droga, de valor estimado de mercado
de mais de 8 milhões de reais, se transformou num constrangimento político
maiúsculo para o Planalto.
Para qualquer ocupante do Planalto o caso seria um dissabor importante:
a detenção ganhou destaque na imprensa espanhola e apareceu em jornais como
o Financial Times, New York Times e Le Monde (que pôs "o caso do aerococa"
no título). Para Bolsonaro, tem ainda um viés adicional. Defensor dos militares
como uma espécie de reserva moral do país, o capitão reformado do Exército
tentou se antecipar e comentar o tema no Twitter ainda na noite de terça,
defendendo que o flagrante com o sargento Rodrigues não representava a
corporação.
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Nesta quarta, Bolsonaro voltou ao Twitter para dizer que o militar não
tinha relação com a equipe dele e tratou o episódio como
"inaceitável". Longe de colocar panos quentes sobre a situação, o
presidente em exercício Hamilton Mourão classificou a conduta do sargento como
sendo de uma "mula qualificada" e afirmou que ele não agiu sozinho.
"É óbvio que, pela quantidade de droga que ele estava levando, que não
comprou na esquina e levou, né? Ele estava trabalhando como mula. Uma mula
qualificada", definiu Mourão, em entrevista nesta
quarta-feira à Rádio Gaúcha. Outras coincidências reforçaram o
constrangimento. Enquanto a notícia se espalhava, o ministro da Justiça, Sergio
Moro, em viagem aos EUA, visitava a Agência Antidrogas norte-americana.
"Não vamos medir esforços para investigar e punir o crime", disse
Moro também no Twitter.
Os Bolsonaros, mestres no jogo de
dominar a agenda das redes sociais, viram o tema ganhar a Internet: a procura
pelo tema em buscadores como o Google estourou, assim como memes e uma guerra
entre apoiadores do Governo e detratores no Twitter. Aos críticos coube lembrar
episódios em que a família presidencial foi implacável ao falar de temas
relacionados ao tráfico de drogas. Em março, após um encontro em Washington
entre Bolsonaro e o presidente da Organização dos Estados Americanos, Luis
Almagro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), filho do presidente, deu
nova munição para ser usada agora. Afirmou que a conversa havia girado em torno
de "Cuba e da narcoditadura de
Nicolás Maduro". A acusação, respaldada pelo Governo Trump, mas também por
alguns organismos independentes, já havia sido inaugurada pelo Itamaraty em
janeiro, quando divulgou uma nota afirmando que o regime de Maduro é baseado no
tráfico de drogas e pessoas e no terrorismo. "O sistema chefiado por
Nicolás Maduro constitui um mecanismo de crime organizado. Está baseado na
corrupção generalizada, no narcotráfico, no tráfico de pessoas, na lavagem de
dinheiro e no terrorismo."
Sobre o episódio de agora, o Itamaraty não se pronunciou. Eduardo
Bolsonaro tampouco. O silêncio, por outro lado, tem sido rebatido. No
Congresso, senadores e deputados protocolaram nesta quarta-feira requerimentos
para convidar o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI),
general Augusto Heleno, para prestar esclarecimentos sobre o caso. À jornalista
Andréia Sadi, Heleno afirmou ser impossível prever o que aconteceria. "Só
se fôssemos videntes. Se o GSI tivesse bola de cristal. Ele não tem nada a ver
conosco. Estou ansioso para ouvir a explicação do próprio", afirmou.
Viagens com comitivas de Dilma, Temer
e Bolsonaro
Não foi a primeira viagem presidencial ou internacional do militar que
segue sob custódia das autoridades espanholas. O sargento Manoel Silva
Rodrigues acompanha pessoalmente presidentes em missões desde 2017, tendo ido,
inclusive, a Zurique, na Suíça, com Michel Temer no ano passado. Além de estar
na mesma aeronave que os presidentes, o sargento acompanhava o alto escalão do Planalto
em aeronaves desde maio de 2016, quando esteve com autoridades em viagem de
Dilma Rousseff, segundo o Portal da Transparência.
Com Bolsonaro, o sargento viajou em fevereiro, entre São Paulo e
Brasília. No mês seguinte, participou do transporte do escalão avançado da
presidência, passando por Brasília, São Paulo e Porto Alegre. A viagem mais
recente registrada pela Transparência havia sido para o Recife, onde o presidente esteve no final de maio. Militar na ativa,
Rodrigues é segundo-sargento da Aeronáutica e recebeu, em março, data da última
atualização do portal, 6.081,90 reais de salário líquido.
Na terça-feira, Rodrigues estava junto ao escalão avançado da
presidência novamente, acompanhando a ida de Bolsonaro a Osaka, no Japão, onde
o presidente participa de reunião do G20. A sorte do sargento mudaria em Sevilha, durante uma escala. A
droga foi detectada quando as bagagens da tripulação passaram pelo controle
alfandegário. Ao abrir a mala de mão, os agentes encontraram 37 tijolos de
pouco mais de um quilo cada de cocaína. "Não estava nem mesmo escondido
entre as roupas", disseram as fontes da Guarda aos repórteres María Martín e Óscar López-Fonseca.