Surto de garimpo destrói floresta e divide índios
no Pará
João Fellet
Enviado da BBC Brasil a Ourilândia do Norte (PA)
Atualizado
em 1 de agosto, 2014 - 11:16 (Brasília) 14:16 GMT
Alimentado pelos preços em alta do ouro, um novo
surto de garimpo ilegal está se alastrando com rapidez e gerando destruição
numa das últimas áreas de floresta amazônica no sudeste do Pará. Com máquinas
pesadas, os garimpeiros avançam por territórios habitados pelo povo kayapó e
assediam os índios, que estão divididos quanto à atividade.
Alguns líderes kayapós
passaram a tolerar o garimpo em suas terras em troca de um percentual dos
lucros. Eles dizem precisar dos recursos para sustentar as aldeias e cobram do
governo políticas que lhes permitam abrir mão das receitas.
A atividade, porém, é
ilegal, e seu combate compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e à Fundação Nacional do Índio (Funai).
Segundo Thaís Dias
Gonçalves, coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai, a Terra
Indígena (TI) Kayapó, em Ourilândia do Norte, é a área indígena do país onde a
atividade garimpeira é mais intensa.
A Funai diz que há por
volta de 25 frentes ativas de garimpo dentro da TI. O território – que ocupa
cerca de 33 mil quilômetros quadrados, área equivalente à de Alagoas e do
Distrito Federal somados – é quase inteiramente coberto por mata nativa.
A TI Kayapó convive com
surtos esporádicos de garimpo há décadas. Segundo a Funai, porém, a atividade
alcançou níveis sem precedentes nos últimos meses.
A BBC Brasil acompanhou
uma operação contra o garimpo na área na semana passada. De helicóptero ou
avião, veem-se as enormes clareiras com lagos artificiais abertos pelas
escavadeiras. Algumas frentes de garimpo têm cerca de 40 quilômetros quadrados,
o equivalente a dez campos de futebol. Nos rios que cruzam a terra dos kayapó,
cerca de 90 balsas reviram o solo em busca do metal.
A Funai diz que há por volta de 25
frentes ativas de garimpo dentro da Terra Indígena
Os agentes do Ibama e da Funai
desceram em algumas minas e deram prazo de dez dias para que os garimpeiros
deixassem o local. Os órgãos estimam que haja na terra indígena entre 4 e 5 mil
garimpeiros, o equivalente a quase um terço do total de índios na área (16
mil). Segundo os agentes, quem ficar será expulso e terá seus equipamentos
destruídos.
Moradores da região dizem que o
garimpo poluiu os rios e reduziu drasticamente o número de peixes. Para separar
e aglutinar o metal, garimpeiros usam mercúrio e cianeto, duas substâncias
tóxicas.
"O garimpo é o ilícito ambiental
mais grave que o Ibama enfrenta hoje no país", diz à BBC Brasil o diretor
de proteção ambiental do órgão, Luciano de Menezes Evaristo.
Evaristo cita, além da destruição
causada pela atividade, suas consequências sociais. "O garimpo traz no seu
bojo uma decadência: com ele vêm o tráfico de drogas, a prostituição e a
exploração do trabalho infantil."
O diretor do Ibama afirma que os
casos de garimpo no país têm se multiplicado, especialmente no Pará. Segundo
Evaristo, outro ponto crítico no Estado é a bacia do rio Tapajós, no oeste
paraense, onde há pelo menos 3 mil frentes da atividade.
O diretor do Ibama atribuiu o surto
ao bom preço do metal. Considerado um investimento seguro em tempos de
instabilidade na economia, o ouro valia cerca de US$ 800 dólares a onça (31
gramas) no fim de 2007. Hoje vale US$ 1.297.
Índios divididos
Na semana passada, a BBC Brasil
acompanhou uma reunião na sede da Funai em Tucumã em que o Ibama informou
autoridades locais e cerca de 15 líderes kayapós sobre a operação contra o
garimpo.
Alguns índios se queixaram da ação e
disseram que a atividade ajuda a sustentar suas aldeias. Segundo eles, os
garimpeiros pagam às comunidades um percentual de seus lucros.
O cacique Niti Kayapó, da aldeia
Kikretum, afirmou que o dinheiro do garimpo tem lhe ajudado a pagar o aluguel
de tratores usados na colheita de castanha – atividade que, segundo ele, é a
principal fonte de renda de sua comunidade.
"Eu preciso ter alguma coisa
para a comunidade. Se vocês (governo) disserem que têm um projeto de 300, 500
mil reais para nós, a gente vai lá e tira os garimpeiros. Mas vocês não
têm."
Surto do garimpo está ligado ao bom
preço do ouro, que valorizou nos últimos anos
Houve um bate-boca quando um índio
disse que o garimpo em área vizinha à sua aldeia tinha poluído a água usada por
sua comunidade. A maioria dos líderes presentes assinou uma carta pedindo que
os garimpeiros fossem expulsos da TI.
Na reunião, os índios também pediram
às autoridades que pressionassem a mineradora Vale a executar seu plano de
compensação por ter implantado uma mina a 34 quilômetros da TI.
Para mitigar o impacto na área da
mina Onça Puma, que produz ferroníquel, a empresa se comprometeu, entre outras
ações, a construir uma casa de apoio para indígenas em Ourilândia do Norte e
financiar projetos de geração de renda nas aldeias.
Segundo a Funai, as ações, que vêm
sendo negociadas há quase uma década, custarão cerca de R$ 3,5 milhões. Nesta
semana, 70 índios foram à sede da mineradora em Redenção para reforçar a
cobrança. Em nota à BBC Brasil, a mineradora disse que o plano começará a
vigorar em agosto.
Os índios também cobram da estatal
Eletrobrás e do consórcio Norte Energia que cumpram o compromisso de financiar
projetos de geração de renda nas aldeias. O acordo é uma contrapartida pela
construção da hidrelétrica de Belo Monte, que fica a cerca de 500 quilômetros
da TI Kayapó, rio Xingu abaixo.
Moradores da região dizem que o
garimpo poluiu os rios e reduziu drasticamente o número de peixes
Em nota, a Eletrobrás afirmou que os
projetos devem ser pactuados com os índios até o fim de 2014 e executados a
partir de 2015. Serão destinados R$ 1,5 milhão por ano às ações, ao longo de
três anos.
Segundo Thaís Dias Gonçalves,
coordenadora geral de monitoramento territorial da Funai, somente serão
contempladas pelos programas da Vale e da Eletrobrás/Norte Energia as aldeias
que não tenham qualquer envolvimento com o garimpo.
Ela afirma, no entanto, que os
programas não serão capazes de competir com o garimpo em volume de recursos.
Para Gonçalves, erradicar a atividade
na área de uma vez por todas exige um trabalho de inteligência policial, que
identifique quem está lucrando com o negócio. "Tanto o garimpeiro quanto o
indígena envolvido são parte muito pequena de uma cadeia fortíssima."