Fazenda do aeroporto de Cláudio (MG) foi flagrada com trabalho escravo
Leonardo Sakamoto
01/08/2014 15:05
A construção de um aeroporto em
Cláudio (MG) não é o único estorvo envolvendo a propriedade rural da família do
senador Aécio Neves, candidato à Presidência. Em outubro de 2009, uma inspeção
de auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, com a presença do
Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal, encontrou 80 trabalhadores
que cortavam cana para uma destilaria da região, sob
responsabilidade da família Tolentino (a mesma da avó materna de Aécio),
trabalhando em regime análogo ao da escravidão. Destes, 39 estavam na
fazenda Santa Izabel, pertencente a mesma família e localizada, hoje, ao lado
da área desapropriada para o aeroporto.
Por conta dessa fiscalização, que
também encontrou trabalhadores em outra fazenda, a Santo Antônio, a Destilaria
Alpha Ltda, foi responsabilizada pela situação e inserida no cadastro de
empregadores flagrados com mão de obra análoga à de escravo em junho do ano
passado – a chamada “lista suja''. A relação, mantida pelo Ministério do
Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, é utilizada por bancos públicos e privados e empresas nacionais e
estrangeiras para evitar negócios.
O blog tentou contato com advogado da
Destilaria Alpha, mas ainda não obteve sucesso. Assim que conseguir uma posição
da empresa, publicará neste espaço.
Aécio Neves evidentemente não pode
ser responsabilizado pela forma com a qual seus parentes tratam os
trabalhadores.
Mas o caso é uma amostra de algo que
muitos ainda fingem não enxergar: como grupos próximos do centro do poder
político são capazes de subverter a lei para garantir a perpetuação da
exploração dos trabalhadores. E como damos pouca importância a isso.
Local onde o grupo de fiscalização do
Ministério do Trabalho e Emprego encontrou uma das frentes de trabalho de
cortadores reduzidos a condições análogas às de escravo. Ao lado, o famoso
aeroporto no município de Cláudio (MG)
É interessante que algo tão
deplorável quanto trabalho escravo contemporâneo esteja tão perto de famílias
que detém o poder econômico e político. Mais ainda: como essas famílias criam
formas sofisticadas para burlar a legislação trabalhista de forma a contornar
direitos e baratear o custo da produção. Legislação que, esses mesmos grupos de
poder no poder, deveriam ter a obrigação de zelar.
Estou tomando a fazenda Santa Izabel
como exemplo, mas isso se repete em território nacional, com grupos políticos
que apoiam os principais candidatos à eleição presidencial.
Os trabalhadores foram atraídos por
falsas promessas de boa remuneração, alojamento e alimentação. Porém, ao
chegarem ao município se deparavam com condições diferentes do prometido. Se a
vontade apertasse no meio do expediente, teriam que fazer suas necessidades
atrás de algum monte de cana. Não havia alojamentos ou equipamentos de proteção
adequados ou mesmo água potável. Descontos irregulares aconteciam na remuneração.
E quem quisesse ir embora deveria conseguir dinheiro por conta própria para
voltar pois, apesar de terem sido trazidos, a Destilaria teria afirmado que só
retornaria os trabalhadores ao final da safra. Isso sem contar que já havia
sido firmado um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público do
Trabalho, em 2007, proibindo diversas dessas situações.
Ou seja, não muito diferente de casos
similares flagrados pelo Ministério do Trabalho e Emprego nos últimos 19 anos,
quando o governo Fernando Henrique criou o sistema de combate a esse crime e
teve a coragem de reconhecer diante das Nações Unidas a persistência de formas
contemporâneas de escravidão por aqui.
Mais do que as condições em que
estavam os trabalhadores, gostaria de me ater, contudo, à forma de contratação.
O relatório de fiscalização
resultante do resgate dos trabalhadores em Cláudio (MG) detalha, com provas
documentais e entrevistas, como se dava o processo para burlar a lei e tirar da
Destilaria Alpha a responsabilidade trabalhistas pelos cortadores de cana.
A “cantina'', local utilizado para
preparo das refeições dos trabalhadores, era mantida por José do Carmo Pereira
dos Santos e seus familiares. Ele era o responsável por aliciar os
trabalhadores em suas cidades de origem (Brasília de Minas e Luislândia, ambas
em Minas Gerais) e trazê-los para prestar serviços diretamente à Destilaria
Alpha Ltda, através da empresa Vanilda da Silva Santos-ME.
Através de inspeções nas frentes de
trabalho das fazendas Santa Izabel e Santo Antônio, verificou-se que os
trabalhadores atuavam no corte de cana-de-açúcar. Parte deles acreditava que o
patrão era a usina. Porém, a maioria não sabia explicar porque suas carteiras
de trabalho não eram anotadas pela Destilaria Alpha e sim por Vanilda da Silva
Santos-ME, que nem sequer conheciam. Outros trabalhadores estavam empregados
por uma outra empesa, a Ômega Agrícola Ltda.
A Destilaria Alpha foi representada à
equipe de fiscalização por Quinto Guimaráes Tolentino Filho, Onias Guimaráes
Tolentino e Mariana de Campos Tolentino. De acordo com a fiscalização do
Ministério do Trabalho e Emprego, a Alpha é quem controlava o trabalho dos
cortadores de cana.
Segundo o relatório, apesar de todos
os pressupostos de relação de emprego se darem com a Destilaria Alpha Ltda e do
cultivo de cana-de-açúcar ser uma de suas atividades-fim, a mesma valeu-se de
um aliciador de mão de obra, de nome José do Carmo Pereira dos Santos e alcunha
“Gambá'' para arregimentar esses trabalhadores em seu município de origem já
pelo terceiro ano consecutivo, conforme afirma o relatório com base em
depoimentos e análise documental.
Este, além de ter um acordo
financeiro com a usina para aliciar e controlar o trabalho desenvolvido por
esses trabalhadores, ampliava, com a anuência da Destilaria Alpha Ltda, seu
esquema de exploração e lesão aos direitos desses cortadores, sendo o
fornecedores de todas as suas refeições.
Ainda buscando redução de custos
trabalhistas e fiscais, conforme depoimentos prestados pelos próprios prepostos
legais da usina aos fiscais, a Destilaria Alpha Ltda valeu-se da empresa
Vanilda da Silva Santos – ME como empregadora formal dos trabalhadores
aliciados por José do Carmo Pereira dos Santos. Vanilda – ME não teria
idoneidade econômica, sendo utilizada com o único fim de intermediar a mão de
obra em favor da Destilaria Alpha Ltda.
De acordo com os auditores fiscais,
Vanilda da Silva Santos, proprietária da empresa, era esposa de Antonio Newton
dos Santos, contador da empresa Destilaria Alpha Ltda e detentor de procuração
pública com amplos poderes de representação da empresa registrada em nome de
sua esposa.
O relatório afirma que Onias
Guimarães Tolentino possuía poderes de representação informal tanto da
Destilaria Alpha Ltda quanto da empresa Ômega Agrícola Ltda, e junto com o
Eduardo Henrique da Silva, gerente industrial da usina, teria estabelecido e
concebido com José do Carmo Pereira dos Santos todo o sistema de arregimentação
e controle da mão de obra, sendo além disso, um dos idealizadores da relação
triangular com a empresa Vanilda da Silva Santos – ME. A estrutura teria sido
gestada também com o contador da usina, Antônio.
Este caso mostra como grupos próximos
do poder político são capazes de sentir-se seguros o suficiente para subverter
a lei a fim de garantir a exploração dos trabalhadores. Flagrados, alguns usam
o “mas sempre foi assim'', que justifica a maiores aberrações pela manutenção
da exploração como “tradição''. Outros culpam o Estado, que se interpõe sobre a
relação de compra e venda de força de trabalho. Para eles, a legislação impede
a livre negociação. Como se a relação capital-trabalho fosse baseada sempre em
igualdade de condições.
Como disse, esta história não tem
vinculação com este ou aquele grupo. E ninguém escolhe a própria família.
Porque a superexploração do trabalho
não vê fronteiras ideológicas ou partidárias. O mesmo vale para os de Dilma
Rousseff. Por exemplo, Armando Monteiro Neto é irmão e ex-sócio de Eduardo
Queiroz Monteiro, proprietário da então Destilaria Gameleira (hoje Araguaia),
no qual foram libertados 1003 pessoas em condições análogas às de escravo em
2005 – uma das várias operações de resgate ocorridas naquela fazenda de cana.
Armando é candidato ao governo do Estado de Pernambuco, na frente nas pesquisas
e é da base de Dilma.
Infelizmente a pauta dos direitos do
trabalhador passa ao largo do período eleitoral. Quando aparece, diz respeito à
geração de empregos, sem que se discuta a qualidade do emprego que estamos
gerando. Isso é ótimo para quem não se importa com a qualidade de vida da
população e sim com os lucros oriundos da exploração desta.
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